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terça-feira, 7 de maio de 2013

A Igreja e a interpretação das Escrituras




por: José Augusto de Oliveira Maia
06.05.2013


Há duas afirmativas interessantíssimas feitas recentemente pelo papa Francisco, acerca das Sagradas Escrituras. A primeira delas, que somente a Igreja é capaz de interpretar as Escrituras; e a segunda, que há uma unidade indissolúvel entre as Escrituras e a Tradição. Em sua fala, Francisco usou o texto da Constituição "Dei Verbum" ("A Palavra de Deus"), do Concílio Vaticano II (1.962 - 1.965).

Ocorreu-me que, historicamente, as Igrejas surgidas a partir da Reforma do século XVI ensinam que a interpretação das Escrituras pode ser feita livremente pelos filhos de Deus, auxiliados pelo Espírito Santo, que lhes foi dado como "penhor da herança" (Efésios 1:13, 14), e que, conforme a promessa de nosso Senhor Jesus Cristo, "nos guiaria a toda a verdade" (João 16:13 - 15). Exemplo deste ensino das Igrejas da Reforma pode ser encontrado na Confissão de Fé de Westminster (1.647), em seu capítulo 1, itens de 6 a 10. Por conseguinte, aqueles que não são filhos de Deus, por não contarem com o auxílio do Espírito Santo, não podem compreender e interpretar corretamente as Escrituras.

Sendo assim, para compreender melhor a primeira afirmação do papa Francisco, que somente a Igreja é capaz de interpretar as Escrituras, uma pergunta se faz necessária: qual a definição de Igreja?

Gostaria, para não correr o risco de parecer me opor gratuitamente à Roma, de tomar por base o próprio Concílio Vaticano II, cuja Constituição "Lumen Gentium", tratando sobre a Igreja, define-a como "os que creem em Cristo" (capítulo 1, item 2), "a unidade dos fiéis, que constituem um só corpo em Cristo" (capítulo 1, item 3), e que "aparece como um povo unido pela unidade do Pai e do Filho e do Espírito Santo" (capítulo 1, item 4). Portanto, o texto deixa claro que a Igreja de Cristo é o corpo formado por todos os filhos de Deus, sem distinção. Ora, com estas mesmas afirmações concordam as Escrituras Sagradas, podendo citar aqui I Coríntios 10:16, 17: "Porventura o cálice de benção que abençoamos, não é a comunhão do sangue de Cristo? O pão que partimos, não é porventura a comunhão do corpo de Cristo? Porque nós, sendo muitos, somos um só pão e um só corpo, porque todos participamos do mesmo pão."; e também Efésios 1:20 - 23: "Que manifestou em Cristo, ressuscitando-o dentre os mortos, e pondo-o à sua direita nos céus. Acima de todo o principado, e poder, e potestade, e domínio, e de todo o nome que se nomeia, não só neste século, mas também no vindouro; e sujeitou todas as coisas a seus pés, e sobre todas as coisas o constituiu como Cabeça da Igreja, que é o seu corpo, a plenitude daquele que cumpre tudo em todos."

Portanto, diante da afirmativa que somente a Igreja é capaz de interpretar as Escrituras, ficamos felizes, pois Deus deu a todos os Seus filhos o Espírito Santo, que dá esta capacidade a todos aqueles que foram regenerados em Cristo, ou seja, a Igreja.

Quanto à segunda afirmativa - há uma unidade indissolúvel entre as Escrituras e a Tradição - cabe  discussão; primeiramente, temos que considerar que, se o conteúdo das Escrituras é a Palavra de Deus, e se Deus é eterno, então em momento algum Deus estaria desprovido de Sua Palavra, e sendo assim, a Palavra de Deus é tão eterna quanto Ele próprio; portanto, a Palavra de Deus é muito anterior à Igreja e sua tradição, que surgiu no tempo e no espaço a partir da continuidade do ministério terreno de Cristo, através dos apóstolos.

O segundo ponto a considerarmos é que o cânon das Escrituras (especialmente o Novo Testamento) fechou-se a partir do Concílio de Cartago, no ano 397, cujo decreto reconhece como Escrituras Divinas no Novo Testamento apenas os 27 títulos canônicos hoje presentes em nossas bíblias. Sendo assim, nenhuma outra revelação posterior e particular tem espaço como doutrina cristã; no entanto, podemos citar aqui alguns dogmas que fazem parte da tradição da Igreja Católica que são muito posteriores ao Concílio de Cartago: o purgatório (século VI), a imaculada conceição de Maria (século XIX), a infalibilidade papal (século XIX), e a assunção corpórea de Maria (século XX). Assim, a alegada unidade indissolúvel entre as Escrituras e a Tradição, fica prejudicada, no mínimo, por uma questão cronológica.
     
E, em terceiro lugar, os itens apontados acima como dogmas pertencentes à Tradição Católica não encontram respaldo nas Escrituras Sagradas:

a.) Sobre o purgatório, temos a dizer que se, conforme a Bíblia, Jesus derramou Seu sangue para a remissão dos pecados (Mateus 26:28), se temos em Seu sacrifício a reconciliação com Deus e a salvação de nossas almas (Romanos 5:8 - 11), e se Cristo ofereceu-se uma única vez para tirar os nossos pecados (Hebreus 9:28), então o purgatório é absolutamente desnecessário; Jesus mesmo declarou: "Quem ouve a minha palavra, e crê nAquele que me enviou (isto é, Deus), tem a vida eterna, e não entrará em condenação, mas passou da morte para a vida." (João 5:24). Se o sangue de Cristo não fosse o suficiente para pagar os nossos pecados, de acordo com a vontade do próprio Deus, e nos reconciliar com Ele, então a obra de Cristo na cruz, e Sua ressurreição dos mortos, seriam incompletas.

b.) Sobre a imaculada conceição de Maria, não há um trecho na Bíblia que sustente nem de longe este dogma; muito pelo contrário, o apóstolo Paulo, escrevendo à igreja em Roma, diz: "Pois todos pecaram, e estão destituídos da glória de Deus." (Romanos 3:23). Todos, quer dizer todos, inclusive Maria. Além disso, no texto da bula papal Ineffabilis Deo, do papa Pio IX, é invocada a autoridade de Jesus Cristo, e dos apóstolos Pedro e Paulo, sendo que nenhum deles deixou quaisquer orientações a este respeito, quer nos Evangelhos, quer nas cartas apostólicas. Assim, o apelo para estas autoridades é ilegítimo.

c.) Quanto a infalibilidade papal, cabe à Igreja Católica explicar se a lista de vários papas corruptos, cujo melhor exemplo deles é Alexandre VI (1.492 - 1.503), contava também com a "divina assistência que lhe foi prometida pelo bemaventurado Pedro"; é muito pouco provável que o assim chamado primeiro papa aceitasse ser conivente com a multidão de pecados deste e de outros pontífices, que a Igreja Católica assumidamente sabe terem sido extremamente corruptos.

Mas, ainda sobre a infalibilidade papal, como a Igreja explica o fato de o apóstolo Paulo ter resistido a Pedro, na questão entre judeus e gentios, por um comportamento repreensível? (Gálatas 2:11 - 14); e também carece de explicação o fato de que as alterações da tradução da Bíblia, feitas pelo papa Sisto V (1.585 - 1.590), revelaram-se tão falhas, que sua edição da Bíblia teve que ser cancelada pouco antes da morte daquele pontífice.

d.) Por último, sobre a assunção corpórea de Maria aos céus, o texto da constituição apostólica Munifecentíssimus Deo é altamente especulativo, ao usar termos como "dificilmente parece possível supor", ou "devemos crer que"; a glória da Trindade Divina (Deus-Pai, Deus-Filho e Deus-Espírito Santo), não será dada a outro (Isaías 42:8); este dogma não passa de mera especulação, é extremamente recente, e não tem respaldo bíblico nenhum! Além disso, o bemaventurado Pedro, pregando no Sinédrio, reconheceu Jesus como único intercessor entre Deus e os homens, dizendo em sua pregação: "Não há salvação em nenhum outro, pois, debaixo do céu não há nenhum outro nome dado aos homens pelo qual devamos ser salvos." (Atos 4:12). Se alguém quiser especular em cima deste texto, e apresentar uma outra doutrina, que preste contas depois a Deus!  

Assim, negamos a alegada unidade indissolúvel entre as Escrituras e a Tradição, tanto por questões cronológicas, quanto doutrinárias, teológicas e bíblicas.

As Escrituras Sagradas, a Bíblia, é a única autoridade sobre a vida dos filhos de Deus, os quais podem e devem ter livre acesso a ela, sendo iluminados pelo Espírito Santo, o qual Deus dá a todos os Seus filhos, para compreender a vontade de Deus nela revelada.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BETTENSON, H. "DOCUMENTOS DA IGREJA CRISTÃ" - 3ª edição, Editora Aste, páginas 377 (sobre a imaculada conceição de Maria), 380 (sobre a infalibilidade papal) e 390, 391 (sobre a assunção corpórea de Maria)
FISCHER-WOLPERT, RUDOLF "OS PAPAS" - 5ª edição, Editora Vozes, páginas 124, 125 (sobre o papa Alexandre VI), 133, 134 (sobre o papa Sisto V) e 381 (sobre as alterações de Sisto V na Bíblia)
ELWELL, WALTER A. "ENCLICLOPÉDIA HISTÓRICO-TEOLÓGICA DA IGREJA CRISTÃ" - edição em volume único, Editora Vida Nova, volume 1, páginas 172 e 177 (sobre o Concílio de Cartago)


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